A
série de matérias de maior sucesso do Blog do Regii agora no Planeta
Velocidade; “Uma vez piloto de Formula 1” retrata de forma inédita a
historia de pilotos que estiveram na Formula 1 durante algum tempo, e os
motivos que impediram de permanecer por lá. O principal objetivo desta série é
levar à grande maioria, a verdadeira historia por trás das estatísticas, o que
conhecemos sobre eles são números e currículo, mas e os fatos que os levaram
até lá? E principalmente que motivos os impediram de permanecer?
O
piloto da vez é Luciano Burti, hoje comentarista da Rede Globo nas transmissões
de Formula 1, Burti teve um inicio diferente no automobilismo sendo, acredito
eu, um dos poucos pilotos que iniciaram no kart com mais de quinze anos e que
conseguiram o feito de chegar ao topo do Automobilismo Mundial.
Luciano
iniciou no Kart em 1991 já com 16 anos, um inicio bem tardio, porem apenas nove
anos depois de seu primeiro contato com um kart ele já estava assinando seu
primeiro contrato na Formula 1, este trajeto meteórico rumo ao topo teve mais
alegrias que dissabores, o que de certa forma, se torna ainda mais difícil de
assimilar o fato de não conseguir permanecer por mais tempo no topo. Esta
trajetória desde a chegada a Europa é contada nas palavras do próprio Luciano
Burti.
”Foram
algumas coisas que aconteceram que acabaram me levando para a F1. Eu venci a
minha primeira corrida na F-Vauxhall Junior na Inglaterra, em um grid que era
extremamente competitivo, tinha eu, o Dan Wheldon, o Andrew Kirkaldy. Tinha o
Tim Mullen, que acabou sendo o campeão por um ou dois pontos. Era um cara muito
bom, que acabou não indo para frente, mas era excelente piloto. Os caras de F3,
F-Renault, ficavam de olho para ver os pilotos que estavam vindo. E eu ganhei a
primeira corrida que fiz lá, em Donington Park, que era a abertura do
campeonato. Foi uma baita corrida inclusive. Isso chamou muito a atenção da
imprensa de lá, o que, consequentemente, fez meu nome ficar conhecido. “Quem é
esse brasileiro que chegou ganhando”? Era para o Wheldon ganhar! O Wheldon era
um cara conhecido, estava na melhor equipe, então, aquilo foi excelente para
mim. Se eu ganhasse a segunda ou a terceira prova, não teria o mesmo peso de
ter vencido a primeira”.
O
próximo passo natural a ser dado era a F-Vauxhall, e lá Luciano teve contato
com a pessoa que o levaria para a formula 1, Jack Stewart, a Equipe Stewart
dominava a F-Vauxhall e o brasileiro que havia começado de maneira arrasadora
na Junior não demorou em chamar a atenção de Jack.
“O
chefe da equipe Stewart da F-Vauxhall, estava de olho em mim e me chamou pra
fazer um teste no fim do ano, que era um campeonato de inverno. Para o ano
seguinte, eles queriam um cara novo, pro Justin (Wilson) ser o campeão, a
Stewart era sempre assim. Eu ganhei o campeonato de inverno e acabei ganhando a
vaga também. Em 1997, quando corri ao lado do Justin Wilson, era minha primeira
temporada na Stewart, então não havia nenhum plano. Fui campeão em cima do
Justin e foi ali que as coisas aconteceram para mim. Ganhei um título em meu
segundo ano na Inglaterra, em cima de um companheiro de equipe muito forte,
tanto que fez uma bela carreira na Indy e infelizmente perdeu a vida naquele
acidente em 2015. Continuando, o Jackie e o Paul tiveram a ideia de me levar
para a F3 com um contrato de cinco anos até a F1. Seriam, talvez, dois anos de
F3, em 1998 e 1999, e a partir de 2000, eu já tinha meu contrato na F1. Não era
uma grana muito boa como salário, mas eu não precisava levar um tostão para lá.
Ali, as portas se abriram”.
Um
detalhe que pouca gente percebe é que nestes momentos em que parece estar tudo
dando certo é que os erros são cometidos, explico, Luciano assinou um contrato
de cinco anos com a equipe Stewart, parece sensacional, maravilhoso, mas o que
ele fez neste momento foi entregar sua carreira nas mãos de Jack Stewart, isso
até eu gostaria de fazer, porem não se pode adivinhar o que vai acontecer nos
próximos cinco anos de sua vida, nem da do seu contratante. No caso especifico
de Burti o que aconteceu foi que Jack Stwart vendeu sua equipe para a Ford e
quando estreou na Formula 1 o cenário já era bem diferente.
“No
ano seguinte (2000), fui contratado para ser piloto de testes da Stewart, que
acabou sendo comprada pela Jaguar. O salário era pequeno, mas já era um piloto
profissional. Entrei pela porta da frente, com o Jackie como meu padrinho. Ele
deixou de ser dono da equipe, mas era o conselheiro, então tudo estava muito
bem encaminhado. E foi uma decisão minha não correr de F3000, o que era algo
que ninguém mais fazia. Se eu fosse pra lá, onde ninguém treinava, levaria dois
anos para vencer o campeonato, no mínimo. Eu havia começado tarde, tinha 25
anos, e decidi arriscar em apenas ser piloto de testes e ver o que aconteceria”.
A
entrada como piloto oficial da Jaguar foi mais conturbada ainda, pois o piloto
não só cotado para a vaga, mas já com contrato assinado era ninguém menos que
Dario Franchitti que era o piloto que a Ford gostaria de ver no cock pit.
“Eu
era o menos cotado para assumir o lugar do Johnny Herbert, que iria sair.
Trouxeram o Dario Franchitti para testar em Silverstone, sendo que ele já havia
assinado um contrato de cinco anos só para sentar no carro. Ele já estava
contratado, mas a equipe não devolveu os papéis porque queria ver a performance
dele. Mas, pelo meu bom relacionamento com a equipe, os convenci para me deixar
andar, também. Era 99% de certeza que o Franchitti iria correr, sendo que o
Gary Anderson, que era o diretor técnico da equipe, me ajudou muito nessa hora.
Testei ao lado do Dario e ele foi muito mal – não por falta de capacidade. Aí
você vê o nível que é a F1”.
O
resultado dos testes foi que Luciano Burti enfiou 1,5s nas costas do Dario
Franchitti, não por ser melhor piloto ou o Dario pior, o fato que a diferença
entre Formula 1 e Indy é realmente impressionante no ponto de vista tecnológico
e de acerto, alem do que Burti era piloto de testes da Jaguar e conhecia bem o
carro, pneus e tudo mais, resultado a vaga que já era de Dario veio para as mão
de Burti, mas o que parecia ser a melhor faze do brasileiro se mostrou em pouco
tempo ser o inicio de seu inferno astral na categoria.
“Ele
(Dario) acabou indo tão mal e eu, tão bem, porque naqueles dias eu fiz o melhor
tempo da Jaguar no ano, batendo o tempo do [Eddie] Irvine e do Herbert, que eu
acho que aconteceu o que ninguém esperava. Do jeito que fizeram, ele acabou
indo mal, eu fui bem e aí entrou aquela coisa de eu estar no lugar certo e na
hora certa. Fui contratado e deu tudo certo. Mas, um pouco antes do fim do ano
[de 2000], momento em que teoricamente estava tudo certo, mudou tudo. O cara
que me contratou, chamado Neil Ressler, que era um executivo da Ford, excelente
pessoa e se dava muito bem com o Jackie, perdeu a filha dois meses depois de
assinar comigo. Eu fechei em setembro e isso aconteceu em novembro, acho. Ela
tinha uns 40 anos e tinha câncer e, depois da morte, o Neil, que já tinha lá
seus 70, resolveu se aposentar e voltar para os Estados Unidos. Nessa hora, a
Ford contratou o Bobby Rahal para cuidar da equipe e aí a coisa virou de ponta
cabeça. É aí que eu digo que foi o início do fim da minha carreira na F1 e que
eu passei a estar no lugar errado e na hora errada”.
Deste ponto em
diante é que costumo dizer que não basta ser o melhor piloto pra se manter na
formula 1, o tal ditado “no lugar certo na hora certa” também não resolve muito,
não sei se é uma questão de sorte ou falta dela, o fato é que simplesmente não
depende apenas do piloto, por melhor que seja, é simplesmente uma questão
política. A Ford por motivos políticos contratou Bobby Rahal e por ele não
entender nada de Formula 1 e não se sentir questionado dentro da equipe por
isso achou por bem ir “limando” todos os integrantes da equipe que lhe
representasse algum “perigo” e Luciano Burti logo seria um deles e antes que
isto acontecesse e fatalmente aconteceria, Burti deu aquele que seria seu
ultimo passo como piloto titular da Formula 1, sua ida para a Equipe Prost.
“Antes
da primeira corrida, na Austrália, o Bobby anunciou a contratação do Pedro de
La Rosa como piloto de testes por três anos. Ele o contratou para 2002, 03 e 04
pagando um belo dinheiro. Então, eu já sabia que para o ano seguinte eu estaria
sem emprego. O contrato de F1 garante muito mais a grana do que a posição. Se o
cara quiser te mandar embora, ele vai te pagar o que foi combinado, mas sua posição
nunca vai estar garantida. Foi quando surgiu a oportunidade na Prost. O Pedro
Paulo [Diniz] tinha acabado de comprar a equipe e nós conversamos sobre minha
contratação não para 2001, mas sim pensando em 2002. O Pedro tinha a ideia de
fazer um time brasileiro, com patrocinadores brasileiros, e queria me
contratar, além de trazer também, quem sabe, um moleque novo que estava
surgindo, um tal de Felipe Massa. Eu já sabia que o [Gastón] Mazzacane iria ser
mandado embora, porque a PSN fez um acordo que obrigava a equipe a aceitar o
Mazzacane só nas quatro primeiras corridas, depois da quarta, se eles quisessem
trocar, poderiam, e o Pedro me adiantou que isso iria acontecer. Foi quando eu
falei para o Pedro: “Será que isso não pode acontecer”?”. Não que a Prost fosse
uma equipe boa – naquele ano eles já tinham resultados muito ruins, mas sim
para fugir do campo minado da Jaguar e apostar em um projeto que poderia ser
bom mais pra frente, naquela hora, era o que eu tinha pra fazer. Hoje, voltando
a fita, até posso pensar “será que eu fiz a coisa certa? Talvez não. Mas não
sei o que seria se eu tivesse ficado na Jaguar com aquele clima e num lugar
onde meu desempenho na pista não contaria. Era uma coisa totalmente política
que estava acontecendo, então…”
Agora já na Prost, o inferno astral
permanecia, um carro sem condições de ser chamado de carro de Formula 1, entre
outros problemas básicos, sem direção hidráulica, pouca gente sabe, mas um
carro de Formula 1 sem direção hidráulica é quase impossível de guiar, Luciano
Burti o fez, mas com toda certeza esgotando todas as forças no final das
corridas. Talvez pelo fato de o carro ser tão ruim e estar lhe exigindo o
máximo, em Spa naquele ano, Burti sofreu um grave acidente que mudaria sua vida
para sempre.
“Daquela
corrida, não lembro nada. Revendo o acidente, eu sei que tentei passar em um
lugar onde não dava e o animal do Eddie Irvine também não se preocupou em olhar
para o lado. Fiquei em coma induzido, porque eu sofri uma hemorragia cerebral e
eles me induziram ao coma para tentar fazer uma drenagem natural. Se a
hemorragia permanecesse, eles mesmos teriam que fazer. Não é nada muito “punk”,
mas eles teriam que fazer um furo, drenar e tal. Quando eu saí do coma, eu
comecei a entender que estava ali [no hospital], mas foi algo muito louco,
porque eu acordava, falava alguma coisa e, três minutos depois, dormia de novo.
Eu dormia de 16 a 18 horas por dia. E lembro só algumas cenas, sabe, como se
fossem algumas fotos ou filminhos de dois ou três minutos? Era bem louco,
porque eu acordava, falava com meus pais, contava uma história e dormia. Três
horas depois eu acordava de novo, contava a mesma história e dormia de novo.
Dali a duas horas, a mesma coisa.”
Em
meio à complicada recuperação que durou aproximadamente quatro meses, Luciano
Burti ainda tinha outro desafio, havia assinado contrato com a Ferrari para ser
piloto de testes, ainda sem saber se estaria totalmente recuperado.
“Antes
de voltar a pilotar um F1, eu testei um F3 em Brasília, com o Amir Nasr, para
saber se eu tinha condições de pilotar de novo. Eu não sabia mais se conseguia
ter a noção de fazer uma curva para a esquerda e outra para a direita e já
tinha assinado como piloto de testes com a Ferrari. Eles me contrataram meio
sem ter todas as informações sobre o meu estado. Não que eu estivesse
escondendo, mas eu também não sabia o quão bem ou mal eu estava. Testei em
Brasília, no dia seguinte à final da F3, que teve o Juliano Moro como campeão e
o Nelsinho Piquet. Fui um segundo mais rápido que o tempo da pole. É claro que
não dava para comparar alguém que já estava em um nível de F1 com meninos que
estavam começando, mas mostrou que eu estava bem para pilotar. Agora, para ser
sincero, eu não estava bem para voltar. Não pela pilotagem, porque eu conseguia
pilotar, tanto que testei normalmente pela Ferrari, mas emocional e fisicamente
eu não estava 100% recuperado. Eu estava fraco, porque fiquei quatro meses sem
dar dois passos correndo.”
Outro
fato que talvez a imprensa na época não tenha dado muita atenção é que Luciano
Burti guiou os melhores carros que a Ferrari já produziu até hoje, exatamente
os carros deram os Títulos Mundiais a Michael Schumacher em 2002 e 2003, a
posição de piloto de testes não é muito valorizada por nós aqui no Brasil, mas
sem dúvida Burti ajudou e muito no desenvolvimento dos carros da Ferrari nos
três anos que permaneceu na equipe.
Ao
final de 2004 Burti retornou para o Brasil e como tantos outros, ganhou da
mídia em geral o rotulo de “ex-piloto da Formula 1”, rotulo alias que esta
seria de matérias existe justamente para repudiar, só Burti sabe o que passou
desde a sua primeira voltinha de Kart, sei que o rotulo não tem a intenção de
ser ofensivo, mas acaba sendo, soa fracasso, mesmo sendo colocado depois de
nomes como Emerson Fittipaldi ou Nelson Piquet, é um rotulo, eu defendo a ideia
de dizer “o Piloto Luciano Burti com
passagem pela Formula 1” e claro entendo que nos dias de hoje, se torna uma
frase grande demais para caber no pequeno espaço que as redações reservam para
o automobilismo, fica mais simples escrever “ex-piloto”, como se ele ao sair da Formula 1 tivesse morrido, como
se tudo que aprendeu na profissão acabasse ao termino de um contrato. Não
existe ex-medico, ex-advogado ou ex-pedreiro.
Burti
hoje se mostra um excelente comentarista, outro desafio encarado e vencido, o
da Televisão, e ao lado de Reginaldo Leme dão uma maior qualidade as
transmissões da Formula 1.
Na
pista, Luciano ainda vive de desafios, o ultimo deles foi encarar um Formula
Truck, substituído ninguém menos que o maior campeão das corridas de caminhões
Felipe Giaffone, Burti aceitou o desafio e fez bonito subindo ao pódio em seu
primeiro contato com um Truck.
Luciano
Burti é acima de tudo piloto, e a exemplo de todos desta série de matérias, não
é ex, pois; “Uma vez piloto de Formula 1”, sempre piloto de Formula 1.